ACENO

Pablo Lanzoni


Foi pra ver o mar 

que você me deixou aqui

Sem olhar pra trás 

e me contar o que te faz feliz


Um nó no meu cantar 

calou o mais belo de mim

Que era acreditar 

na brisa que beija o mar


Quem não chora

num aceno de calar

se alguém foi embora

só pra ver o mar



ARMAÇÃO

letra de Carlos Patrício
música de Pablo Lanzoni

A tua arma desalmada dispara

e a minha alma desarmada diz para

com a violência, com a intransigência

com a discriminação


A tua arma desalmada afronta

e a minha alma desarmada encontra

a mão amiga, o laço do abraço

a paz de uma oração


É dura a travessia pela contramão

se o tempo é feio o afeto oferta proteção

caiu-se na sarjeta, foi difamação

o tiro é desespero, nunca salvação


A tua arma tonta detona

o alvo tatuado em mim

no momento exato do teu ato inconsequente

de consequências tão brutais



À ESPERA

Pablo Lanzoni


Não se vá agora

ainda há coisas que quero saber:

Onde você mora? 

Que traje eu visto pra te ver? 


No calor

as tuas horas te revelam sem pudor

Sem carinho, sem valor

Deixo você bem de mansinho voar


Conto os centavos do tempo até dormir,

esperando você voltar


Preciso beber, pra esquecer, preciso



ASTRO REI

letra de pablo Lanzoni

música de Joana Lopes Pereira e Pablo Lanzoni


Olha pro céu

há uma estrela ascendente

Que brilha ao longe e se vai 

Pelo espaço sideral


Pela janela 

ela encontra os atalhos 

pra lançar aos objetos forma e cor


Uma nuvem resistente

brincando de valente, diz-lhe não 

não há tempo ou feitiço

que a impeça de beijar o chão


E toda a noite 

eu prometi velar 

todo o encanto teu,

colorido lunar



AVISO DE NÃO LUGAR

letra de Richard Serraria e Pablo Lanzoni
música de Pablo Lanzoni


Em meu quintal há soldados tomando um gole de sol

em meu quintal há sol, dados, bem perto um lance passou

se era espera era agora perto

perto era dentro certo eu sou quem sou

perto ali no céu pé de vento eu vôo, chão estrela, asa delta

eu vou que vou


Nave vá: céu! Na ave um bico de mar

é aviso de não lugar

não navega abismo de céu

lado escuro da luz

só pra ver girar vento: sorte soprou

quanto tempo tem o tempo atrás

quanto céu vira sol: dado girou


Em meu quintal há soldados, acá só um lance: paz sou

em meu quintal há sol, acaso um longe passou

quem dera ali se era fora, quieto 

quintal que tal era flor: flor fera sou 

tempo aqui no véu mar de dentro eu rio

tão via láctea, pandorga: em voo estou


Nave vá: céu!

na ave um bico de mar é aviso de não lugar, não navega 

abismo de céu, um pouco ‘Kind of blue’ 

só pra ver virar vento forte secou 

quando viro tempo tenho paz 

quando céu vira azul: miro meu sul

miro meu sul


BARABÁ

Pablo Lanzoni


Pode ser que amanhã, talvez 

eu possa te encontrar 

E esclarecer todos os porquês

que ficaram pelo ar

Um novo texto eu decorei 

pra te convencer 


É só você pra incendiar 

o meu corpo, o meu todo

É só você pra me levar

pela estrada dos tijolos amarelos 


Barabá, barabá 


Deixe o conto te contagiar assim

pra que eu possa te procurar 

e te proteger

Com você posso até sonhar

sem adormecer



BATACLà

música de Pablo Lanzoni
para o poema Sopapo Bará
de Richard Serraria (Sopaporiki, 2020)


Assento o centro da noite

tudo barrio Sur

pó de terra treme

ouvido dentro

toque muy lejos

ciudad vieja sou


Sopapo alupo fronteira

molho em carne de sal

Sopapo alupo rivera

lançando o ontem

parto pro mato

entorto a carreteira


Briga sem perder a respiração

pele magnética, peleia mão


Toca Batá, bate Batá  

bate Bataclã


Rosário espanta gigante

Sopapo costura o rio

passo matungo

o bonde parte

toda gente crê


Mal boca falar de mim

zanga artilharia

morre depressa assobiando

Sopapo touro sou



BEBO A BEIJO

letra de Richard Serraria
música de Pablo Lanzoni


Não quero meio fio, quero toda rua 

não quero meia boca, quero mais é dar bandeira 

não quero meia lua, quero a lua cheia 

não quero meias verdades, quero mentiras inteiras

não quero meio campo , quero furar a rede 

não quero cara metade, quero meter as caras 

embebido do teu beijo

me embebo do te beijo

te bebo beijo a beijo


Não quero meio rio, quero todo mar 

não quero meio pão, quero mais é mesa farta 

não quero meia taça, quero seio inteiro 

não quero mediterrâneo, quero atlântico cheio 

não quero email verdade, quero te fisgar nas redes 

não quero meio copo, quero garrafa cheia 

te bebo beijo a beijo

bebo beijo a beijo

te beijo beijo a beijo



BUENA ONDA

Pablo Lanzoni


Quiero correr, quiero sentir la fuerza de mis pasos

como si fuera la última cosa que podría hacer

Sin darme cuenta, ya que soy libre, del espacio

que el horizonte me invita a recorrer


Mis pies descalzos están firmes frente a todo

me gusta la lluvia que cae sobre la piel

En mi memoria están guardadas las victorias

que hinchan mi pecho y rasgan mi voz


Siento un rayo de sol que me conduce al movimiento

por las puertas abiertas es necesario cantar

por las puertas abiertas es necesario cantar

con buena onda


Las melodías se pasean por las esquinas

me permito bailar por las veredas de la ciudad

entre pasantes que desconocen su destino

hay tantas manos para apretar


Siento el viento en mi cuerpo que me conduce al movimiento

por las puertas abiertas es necesario mirar

por las puertas abiertas es necesario cantar



CHAMA-ME

letra de Mário Falcão 

música de Alexandre Vieira


Meu pensamento janela de trem 

acha coxilhas no pampa 

Verde, que verte dois olhos que são

feito desejo, que ensejo de te encontrar 

E tentar merecer 

Romper a fronteira entre nós 


Tua beleza inventa o lugar 

onde sonhei meu destino 

Vento encilhado passou, não perdi 

cheguei no quintal do cerro, não duvidei 

mas desci sem falar 

ao pé da figueira em que estás 


Prenda minha, endoideci de saudade 

Na cidade, tanta gente corre contra o sol 

Posso ficar a girar, a girar, a girar... 


Manso açude convida a nadar 

Vens e me abraças com calma 

Sinto que o mundo já pode parar 

mas acelera e vamos, num furacão 

Ama-me, chama-me 

Estou pronto pra tua mão 


Prenda minha, empresta teu aconchego 

No teu colo, vale a vida, nasce e desce o sol 

Posso girar e ficar, e ficar, e ficar


COCA_COLA

Pablo Lanzoni


Vi teus olhos e não vi mais nada

não vi teus olhos, nada mais vi

me vi em teus olhos e nada mais vi


Raio laser transcendental

flechada no alvo em praça pública

dobrou-se o tempo, me vi no espelho

ri alto fora de hora

quis correr até o Nepal

comer brioches na Lapônia

ler poemas em holandês

bebendo uma coca-cola


Vi teus olhos e não vi mais nada

não vi teus olhos, nada mais vi

me vi em teus olhos e nada mais vi


Sete estações depois

sete estações de metrô

um mestre-sala sem porta bandeira

procurando sua escola

quis fugir para Bagdá 

reconstruir a Babilônia 

E toda vez que muda o vento 

Eu evito coca-cola



CORDEL

letra de Leandro Maia 

música de Pablo Lanzoni


Quando vestiu o anel de Saturno

todo o universo em seu polegar

ponta do dedo aponta o futuro

nas línguas de fogo em forma espiral

tudo o que vou eu vou contar

tal como aconteceu ali

pode até debochar

pode até duvidar

de mim


A nave quando sumiu do planeta

levando seu corpo pra levitar

no pó da galáxia feito peneira

do ouro do sol que podia pegar

foi quando sol brilhou

e o olho esfarelou

cego de tanta luz

cego cantador


Íris que se eclipsou

lapso de ver demais

luas feito mil faróis

de cílios siderais

ganhar voz perder visão

isso é o que um mestre faz

versos do seu violão

vem longe dos portais

verso noturno

vem de saturno

verso diurno veio do além,

eh meu bem

Quando o futuro

segue no escuro

e o tempo é duro

fecho meus olhos para ver

quando o futuro

segue no escuro

e o tempo é duro

fecho os meus olhos

pra te ver



CORRENTEZA RIO ABAIXO

letra de Richard Serraria
música de Pablo Lanzoni


Nunca fui de trago, ainda menos de leve 

se te levo me apego, se te fumo me apago                                                                                                                                                             

nunca fui quero quero, grudo nu pega pega                                                                                                                                                                                           

é que ainda me espero 

linda, espero voar                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

dentro teu mar


Nunca fui de cedo, ainda menos de tarde

se me levanto acordo, se me deito te afago

sempre flui rio perto, passo feito correnteza

é que sempre diz perto: sempre quero nadar 

dentro teu rio a ver navios


Sinto muito de perto, senti menos de longe 

sentimento de perda, sem ti tanto se esconde 

sentimento de pedra, sonho tanto que é certo

é que ainda desperto, fim da espera no ar 

dentro teu sal


Rindo risco de pronto, ainda escrevo no céu

quando salto te encontro, me acho Montevidéu

barrio Sur, rio deserto, ontem fui carretera

sorriso diz certo: porto, perto sem mar 

y nada más,  a ver navios 

longe vi céu, Montevidéu



DELÍRIO GERAL

Pablo Lanzoni


Não vai dar pé, não

são pandemônios no ar

jogo da conspiração

é delírio geral

Não vai dar pé, não

inverno tropical

olhos na tua ação

ciranda apressada,

cilada

é distração

ou fixação


Não dar pé, não vai não

O poço é fundo meu irmão

quanto restará de tempo

quanto custará esse tempo

quanto restará? quanto custará

quanto restará de tempo

ao amparo e a delicadeza

que resistem


Não vai dar pé

a lama sufocará

os muros altos e sólidos

quase intransponíveis

ao amparo e a delicadeza

que resistem



DESENCONTRO

letra de Pablo Lanzoni 

música de Pablo Lanzoni e Leonardo Ribeiro


Deixo você ir e nem sei dizer 

se foi a saudade, que tardou a perceber 

que este desencontro não teve um porquê

deixou tantas marcas que esqueci de esquecer


Então, o fim chegou a nós 

Brigar pra quê? Melhor a sós

E só sobrou a dor febril

A quem jurou, a quem sorriu



DEUS NA LAJE

para o Bloco

letra de Leandro Maia 

música de Pablo Lanzoni


Pode acreditar

Que Deus já desceu a Borges

Que Ela apareceu

Que Ela já dançou na Laje

Deus vai passar

Sem avisar

Num sopro de ar

Na quebrada


Quando Deus dançou

Tinha muitas caras

A ponte tremeu

Deus tem tantas taras

Os Orixás

Velhos Hebreus

Gregos no altar

Cada um na sua


Salve todes

Loucas de atar

Salve as plantas dos pés nus

Das teimosas

Bruxas pagãs

Lendas do mar

Deusas Kaiowás


Todes de pé 

todo mundo de pé 

todo mundo de pé 

todo mundo de pé


Quando Deus voltar

Ninguém vai dar bola

Nem a Universal

Nem Nossa Senhora

Ninguém mais vê

Ninguém mais quer

Nem quer saber

Deus habita


Passeatas

Greves gerais

E os carnavais de casais trans

Não-binárias

Paradas gays

Bem mais além

Em nós e vocês



DO CHÃO

letra de Paola Kirst

música de Pablo Lanzoni


Em tempo de viver

queira buscar

a fluidez da areia

do horizonte

pegadas sobrepostas no céu

nossa fragilidade exposta

nossas entranhas amostra


Papéis em movimento pelo ar

a cor do vendaval que logo vem

na linha incessante

de tua mão

está tua alegria

viva a tua rebeldia


Um sopro, um alento

velha poesia

em tua janela bate sol

de lá se observa a vegetação

que corre entre as calçadas 

que rompe com as calçadas 

a força que move o chão



EM MOVIMENTO
letra e música de Dany López e Pablo Lanzoni

Sobre os sapatos carregados de chão

confundem-se as pernas pela multidão

afogada em um vazio sensorial

à espera da brisa que não cai


Quando o corpo clama pelo ar

deixo-me ir pra tão longe

vento no cabelo, azul pleno de luz

tenho minha aldeia, meu templo, meu lar


A cidade corre mas não flui

danço pela calma da manhã

tenho um desencontro bem perto dali

sento-me para descansar

Força que me move do lugar

faz de mim um rio indo ao mar

faz de mim um rio



FRUTA DA ESTAÇÃO

Pablo Lanzoni

Pedaço de tempo colhido a quatro mãos

fruta no alto da estação

folha que o vento faz dançar no chão

é trem que percorre a imaginação


Fita o rastro no céu que leva ao avião

e cavalga em nuvens de algodão

armadura invencível, fortaleza

fortaleza


Dorme em meu peito, traz-me a redenção

forte é teu nome, ri da escuridão

voa tão alto com os pés no chão

tatua minha pele feito o sol



HAY OTRA DIMENSIÓN

letra e música de Pablo Lanzoni e Sebastián Jantos 


Corriendo en vano deje pasar 

Aquella idea de olvidar sin renunciar

Una inminente tentación 

De amar en otra dimensión

Confundiendo el tempo 

Con la eternidad


Ecos de mistério

En mi habitación

Todos los caminos

En aquel rincón

recorriendo espacios 

Ya sin dirección 


La condena fue la sensación 

Que anunciaba el dolor

Sin pensar en nada 

Con la eternidad



IMENSIDÃO

letra de Mário Falcão e Pablo Lanzoni
música de Pablo Lanzoni

Correnteza que pulsa no rio

leva a linha que era da mão

talhada a ferro e fogo, destinação

a força que toca o barco

sente a teia da rede

o tempo desatou

tramada no barro

de volta pro chão, revolta no chão e torna sertão


Soluço, vertigem, cansaço

tratores que a margem desmata

tombados com avareza

e incompreensão

deixando a reza

jogada no chão

na imensidão da imensidão


Há quem peça que a chuva deixe

A terra boa e mate a sede

Há quem mate a terra boa

Depois implora que a chuva deixe



INTERIOR

Pablo Lanzoni


Quero voltar pro interior

quero logo partir

vou deixar os meus pertences

só levo o que vivi

Quero voltar pro interior

quero me encontrar por lá

Sobre os velhos caminhos

rodar no mesmo lugar


Subir até a ladeira

comer fruta no pé

despreocupar-me com as cercas

vou investir na contemplação

quero pipa bem alto

deitar à sombra da casa amarela onde cresci

enquanto meu filho corre

Quero chão batido

e o verde do mato espalhado na rua que não esqueci


Sentir o perfume, sentir o teu gosto

sentir a saudade desfeita, repousar em ti

Sentir o perfume, sentir o teu gosto

sentir a saudade desfeita, repousar 


Quero voltar pro interior

Quero voltar pro interior

Quero voltar-me pro meu interior



MANANCIAL
Pablo Lanzoni

Na sombra do arvoredo

queima o sol de abril

rasga o céu o passaredo

em busca de um rio


O manancial fica longe daqui

quase duas horas

se lá se chega não se quer partir

é um espelho que conforta


Resta luz sobre a cancela

logo penso em ti

o cheiro da chuva alegra

a seca está no fim


Na aroeira eu quis subir pra te ver

se aprochegar lindamente

foi teu olhar que tirou o meu chão

foi tua voz que me tirou da estrada



MANHÃ DE SOL
Pablo Lanzoni

Manhã de sol pra quem?

se o temporal se elevou

manhã de som pra quem cantou Ramil

a noite inteira sob o céu


Tudo se revelou quando me deste a mão

Tudo se desvelou quando me deste a mão

e tudo se revelou quando me deste a mão

Tudo se revelou


Manhã de sol em mim

ponta de luz que me alcançou

ao te encontrar me fortaleci

no silêncio das manhãs


Tudo se revelou quando me deste a mão

Tudo se desvelou quando me deste a mão

e tudo se revelou quando me deste a mão

tudo se revelou



MEU ANTI-HERÓI 

letra de Juliano Guerra
música de Pablo Lanzoni


Meu anti-herói ele há de chegar

feito brisa ou furacão

pra restaurar toda a sensação

toda força que se esvaiu, toda canção


E não virá com pressa ou furor

navegará em meio a dor

e marcará seus passos no salão

regendo a valsa da consolação


Meu anti-herói ele vem de lá

onde toda esperança já morreu

tem a cabeça inquieta

e os olhos bem abertos mirando o céu


E cantará aos homens seu amor

como um Davi desperto do torpor

e não será sequer especial

só um qualquer que esperou demais


Meu anti-herói

meu anti-herói vem

meu anti-herói

meu anti-herói vem



MILONGRAFIA

letra de Richard Serraria 

música de Pablo Lanzoni


Céu azul depois de um dia frio qualquer

Pulsar mar cidade 

Par memórias, par de horas

Pare histórias 

Via sem rumo em meu trânsito

Sinal fechado não posso passar

Tenho um só par de mãos pra acalmar a imensidão 

correndo rio abaixo

Foi em teu ombro que então parti

Tuas esquinas fazem me achar

Já sou o sal das sobras, só à luz 

Palavra sol alumia a solidão


Já faz um par

já faz um par

tenho só um par


Tantas ruas em mim

Milongravadas em teu corpo

Prédios que ergui ao teu lado

Alto alado, onde ardo

Casa tomada em meu tráfego

Porta fechada não posso passar

Quero novelo que não se desfaz 

Mil ondas minguada lua abaixo

Foi em teu olvido que então parti

Enlorqueci inobidable encontro

Abraço parte das nuvens

vem perto tua longitude


Já faz um par

já faz um par

já faz ímpar

já faz ímpar



MIRAGEM

letra de Carlos Patrício

música de Alexandre Vieira


Ali

a olhar pro nada

sob o vão da escada

que eleva o chão

ao alto

rumo ao salto no torpor


Passou

feito um pé de vento

no meu pensamento

trazendo a visão

do riso

de um sorriso avassalador


Assim

a olhar pra dentro

procurando o centro

onde nasce a dor

tão perto

no deserto do meu coração


Eu vi

tua bela imagem

formando miragem

em todo esplendor

Enfim

mergulhei no oásis

cego kamikaze

cumprindo a missão



ODOYÁ

letra de Richard Serraria 

música de Pablo Lanzoni


Rouba pela janela

a alvenaria

de meus não pertencimentos

longe do meu Sur Mar

Tempo ladrilho

nascimento futuros

inventa a paz

palavras


Furta pelo telhado

a carpintaria

de meus amadurecimentos

longe dom de voar

Vento partilha

nascimenta passados

incensa a tez

amarras


Amar o mar, amar o mar

Odoyá

Ama amar, rumar

ama, ama, ama, ama

imensidão ímpar

ama sem amarras

ama sem amarras

ama sem amarras

amar



PORTO

Pablo Lanzoni


Acho que foi em Porto Alegre

que lindamente me perdi


Salve a cidade dos arranha-céus


Mapa inventado na cabeça

nariz aponta pra onde te vi

luzes, buzinas, avenidas

não há sinais que já não segui


Silenciosamente, tua voz me diz

transe em trânsito lento:

ando em nuvem


Acho que acho tão bonito

viajar pelo Bom Fim

tua mão perto da minha

velhos telhados de Paris


Salve a cidade

minha gente vive ali

fecho os olhos e vejo

a nossa festa, ruas em festa, eu e tu

eu e tu



PRA COMPENSAR TUA AUSÊNCIA

letra de Carlos Patrício

música de Alexandre Vieira


Quando me negaste a convivência

não foi fácil suportar

a imensidão do firmamento

parecia desabar

e o chão faltar sob meus pés

Foi aí então que eu descobri

que a melhor maneira de suprir

a falta que alguém nos faz é assimilar

pra compensar esta ausência

com momentos bons

que a gente viveu


Foi pensando em tudo que fizemos

que tomei a decisão

de incorporar tua presença

de alegrar meu coração

e hoje eu sou como tu és


Esse jeito louco de viver

sempre pronta pra se apaixonar

o teu sorrir, teu cantar, hoje são meus

e ainda vou te apresentar essa mulher

e sei que tu vais te apaixonar

como eu



PRETEXTOS

Pablo Lanzoni


Não pude evitar, senti sua falta 

É muito depressa 

É coisa demais pra mudar assim



Tentei sufocar, rasgar suas cartas

esconder os retratos

pra não te encontrar mais em mim 


Eu me desfaço em tantos pedaços 

Percorro os deslizes pra te abandonar

Invento pretextos, que nem mesmo aceito

Discuto com o tempo pra te levar



REMANSO

Pablo Lanzoni


Longe da terra

deixo meus olhos

fora de mim

entre o rio e o mundo

Onde a quietude

escorre do poente

caminho inverso

dentro sem fim


O rosto da terra

lava meus olhos

cria na boca

o amargo e o mel

Folha seca passeia

a manada dispersa

cimento invisível

verde sem fim


Que hei de fazer?

em tanto céu, neste teu céu

Sigo a amplidão

na água doce do remanso


Escuto meu rio

por detrás da casa

há muito chão

entre o sol e o mundo

A macega invade

o rastro sem dono

silêncio das coisas

causo sem fim


Que hei de fazer?

em tanto céu, neste teu céu

Sigo a amplidão

na água doce do remanso



ROTA DE NAVEGAÇÃO

Pablo Lanzoni

Barco arremessado no mar ao deus dará

na vazante das marés, de lá pra cá

Navego por aí, deixo-me levar

seja lá o que há por vir: terá de ser


Nas velas do pensamento o sopro da razão

nas ondas do quebra-vento o tom da intuição

Mergulho com o sol, quero me banhar

entre as sombras de um farol: vou desvanecer


Prosseguir sob o sol, retornar não

Transformar sal em mel

Nada será vão, nada será vão


Apontam os meus sentidos ao sul da constelação

o rumo da correnteza indica uma direção

Entre tantas turbulências, calmarias vão e vem

no horizonte vislumbrar o amanhecer


Ressurgir noutro cais, abraçar o chão

Decifrar os sinais da navegação

Nada será vão, nada será vão



SANTIAGO

Mário Falcão


Santiago teve pena do peixe 

que costumara pescar

Era peixe, era lua, era mar

Era noite de Santiago


Amarela barra do amanhecer

seu pensamento mareia

refletia a perfeição do universo, 

os mistérios do fundo do mar


Quando o barco dá na praia

Santiago sente a sereia chegar

Era água, era areia, era amor

Os caminhos de Santiago



SEU

Pablo Lanzoni


Jurei que nunca mais 

Falava em te deixar

Mas essa foi demais

Esconder os meus lençóis

Roubar a minha paz

Isso não se faz


Eu sei que você pode

Virar outra pessoa

Será que eu me entenderei

Com ela numa boa? 

Me pego, lançando

palavras ao vento

Fingindo brincar de esquecer 

Há pouco, bateu um forte tormento

Corri tão depressa

Mas você não quis nem saber


Todo dia, tenho que me conformar

Com o gosto do desgosto

Tendo que aturar

Sem reclamar e nem me perguntar

Do porquê de ser seu



SOSSEGO

Pablo Lanzoni


Não há pressa ou calma

No braço da amoreira

na voz que se assossega

a ausência presenteia

docemente me embalo

no aconchego de tua rede

há um livro em meu colo

a sombra deitou-se em mim


O pão que enfeita a mesa

nuvem da simplicidade

É alento pra quem chega

É norte de quem parte


É tão tarde agora

dará tempo de te ver?

A poeira ainda é alta

Só baixa se chover


Pés ao alto, mãos cansadas

Luzes da constelação

Roupas secas penduradas

Não há pressa, não



SUBSTÂNCIA

letra de Guilherme Becker e Pablo Lanzoni

música de Pablo Lanzoni

Pra quem quiser se encontrar 

pra quem quiser se perder

pra quem não tem mais chão

pra quem já sabe o quer 

pra quem não quer mais saber

coisas do coração

pra dar dor de cabeça

ou pra fazer a festa

está lá o amor


Pra quem quiser se arriscar 

pra quem cansou de fugir

pra quem quer dizer sim

pra quem já não tem mais fé

remando contra a maré

pros inimigos do fim

pra quem ficou de fora

entrar na brincadeira

está lá o amor

tá lá o amor, tá lá o amor

está lá o amor

tá lá o amor, tá lá o amor

lá para quem o queira


Pra quem tem tempo demais

pra quem só corre atrás

de não viver em vão

pra quem não sabe nadar

pra quem ainda sonha em voar

literalmente ou não

pra quem perdeu o mapa

pra quem não leu a bula

sempre existe o amor

resiste o amor, existe o amor 

sempre existe o amor

resiste o amor, existe o amor

lá para quem o queira


VALENTIA TEMPO VOZ
letra de Pablo Lanzoni e Richard Serraria
música de Pablo Lanzoni

Restará uma ponte

rio de ontem, mar de longe

veloz é a cinza das horas

atroz, atraso a solidão


Tempo velho, vento moço

tempo surdo ao meu ventar

há fumaça no caminho

caminho de paz

caminho de casa

descaminho: aproximação


Só a valentia da voz abraçará a aflição

é tempo de chuva bêbado vento

Só a lonjura da voz abarcará a ambição

abrigo é um braço do tempo


Coisa da nossa cabeça,

é medo ou viração

vira cedo, vira tempo

coisa de riscar na mão

coisa de riscar no chão


Só a valentia da voz abraçará a aflição

abrigo é um braço do tempo


Isso é o dito acerca do ouvido escrito maldito história de alguém

Tão bem ?charlateada? é a glória esquecida memória não sabe de quem

O homem que inventa mentira na qual ele mira a bala e o bandido

?Negovéio? igual parafuso chave sem uso anjo olvido

Pregando as frestas da vida passado é ferida e martelo na mão

O prumo em ?minhalma? relembra medida perdida parede formão

O tempo encurvado é tábua duplada ao vento palavra lamento

Meia água fez-se o cimento de mágoa da vida feito esquecimento

O homem é um papel em que consegue se reconhecer

Igual palavra a quem não foi concedida uma vez sequer verbo ser

Qual lixo seco de lembranças próximas em peso, tamanho e odor

Livro aberto de páginas em branco peso lembranho e cor

Ou as mentiras contidas no tempo de ontem, hoje, contratempos de longe

A memória é uma gaita cheia de dobras, pau pra toda obra resto da sobra assovio de cobra


*Tempo encurvado (Richardo Serraria): gentilmente cedido por Tarrafa Records